09/07/2014

DESPEDIDA

Não foram 11 dias, 11 semanas, nem 11 meses. Foram mais de 11 anos de convivência com os bisavós do meu filho - a bisa Antônia e o biso Zé. Hoje, os dois não estão mais neste plano. Ela se foi sexta-feira; ele, há cinco meses. O tempo em que estiveram aqui fizeram uma grande diferença na vida dos familiares e até de quem não era da família: eu, por exemplo. Não tive o prazer de conviver com os meus avós. Os paternos moravam em outro estado e os conheci apenas por 30 dias, durante umas férias de janeiro, quando completei 15 anos. O meu avô materno faleceu quando minha mãe tinha pouco mais de 6 anos. Tive a honra de conhecer a minha avó materna, mas não por muito tempo, porque ela se foi quando eu tinha apenas 8 anos e as lembranças não são tão vivas.
Enfim, eu não sabia o que era compartilhar momentos intensos com vô ou vó até conhecer a dona Antônia e o seo Zé. Eles eram realmente muito especiais. Viveram juntos por mais de 60 anos e tive o privilégio de acompanhar pelo menos uma década. E que década!!!
Eu tinha uns 20 e poucos anos quando os conheci. Idade propícia pra balada, boemia, e seja lá o que for o nome que queiram dar para um período em que, via de regra, a ordem é enfiar o pé na jaca. Entretanto, se me perguntassem, naquele período, o que eu mais gostava de fazer para me divertir aos sábados à noite, a resposta seria imediata: jogar buraco na casa de dois velhinhos. Jogar, não, perder e de lavada!!!
Antes do carteado começar, havia um ritual. Vó Antônia assistia à novela das 8 e depois ao Big “Bródi” – era assim mesmo que ela falava; a simplicidade e o jeitinho soavam como música aos nossos ouvidos. Também eram hilários os comentários sobre a indumentária do povo da televisão: “Nossa, que roupa psicodélica” – a vó dizia com um certo ar de indignação que depois se transformava num riso frouxo, gostoso, embalado pela frase derradeira “eu me adivirto, eu me adivirto”. Quem se divertia era a gente, rsrs.
Quando começava o Zorra Total, era chegada a hora de desligar a TV e o vô se apressava para buscar a mesa de madeira dobrável. Depois de montá-la, estendia uma toalha e a deixava, impecavelmente, esticada. Detalhe: a toalha condizia com o mote da brincadeira, pois nela estavam estampadas algumas cartas de baralho. Vocês não estão entendendo: o lance, minha gente, era profissional.
Antes de começar a primeira partida, algumas regras eram estabelecidas ou relembradas para não haver “disse-me-disse” durante a jogatina. Ali, ninguém tinha tempo a perder. Os velhinhos sentavam naquela mesa com apenas um objetivo: GANHAR!!! E ganhar bonito!!!
Começava a partida: compras do monte, descartes, canastras com sete cartas limpíssimas sendo baixadas – deles, é claro –, batida direto, sem descarte, morto na mão e canastra real. A estratégia deles funcionava exatamente nesta ordem. Era sorte – só compravam as melhores cartas, sempre aquelas que a gente precisava – com um misto de esperteza e, pelo menos, uns 50 anos de experiência. Eles se entendiam só pelo olhar. Era pura covardia. Era uma surra atrás da outra.
Ahhhhh, mas havia dias em que a sorte deles virava pro nosso lado e aí também não tinha pra ninguém. E exatamente quando os bons ventos sopravam na direção oposta é que o jogo ficava engraçado. Quando começavam a perder, os velhinhos quebravam o pau. Sem paciência, a vó dizia: “Zé, ôôô Zé, “prestenção” no jogo, Zé. Cê viu a carta que cê descartô? Não é “ansim”, Zé. Cê tá dando o jogo pra eles”. O vô ficava na defensiva: “Carrrma, Tunica, carrrma”.
Pausa para o café, ou melhor, para o chá. Todo mundo acha que qualquer um faz chá, né? Afinal, não há nada demais em pegar um punhado de mate e jogar numa água quente, certo? Errado. Aquele chá da vó Antônia era “O chá”. Era diferente. Saboroso. No ponto certo. Acompanhando ele vinham as bolachinhas, a manteiguinha, os bolos. Era tudo maravilhoso.
Depois da comilança, pausa para o xixi. Era nessa hora que o seo Zé e a dona Antônia aproveitavam a ausência dos oponentes para cochichar. Enquanto sussurravam as táticas para virar o jogo, eu e meu parceiro ríamos do outro lado. Então, voltávamos sérios para a mesa como se vencer fosse ponto de honra, mas, na verdade, a gente só queria estar ali, pertinho deles, se divertindo, dando e recebendo amor.
Era dada a largada da segunda rodada do carteado madrugada adentro. E não é que os danados viravam mesmo o jogo? Na hora de contar os pontos e, principalmente, na hora de anotá-los, seo Zé não tirava o olho do caderninho para se certificar de que estava tudo nos conformes. Serem passados para trás? De forma alguma. Quem fazia isso com a gente eram eles; praticamente, uma prerrogativa, rsrs.
Ingênua, deixava as cartas à mostra. Este era o motivo do meu parceiro de jogo brigar comigo: “Li, fica esperta, levanta essas cartas, meu”. Afinal, ele, melhor do que ninguém, sabia com quem estava lidando. Sabia que os velhinhos não davam ponto sem nó e faziam de tudo para ganhar.
No fim, eles ganhavam mesmo. Ganhavam, na verdade, só o jogo. Quem saia realmente ganhando de lá éramos eu e o parceiro. Voltávamos para casa comentando cada flash do jogo e rachando o bico dos velhinhos durante o percurso inteiro. A noitada rendia assunto no domingo e na semana inteira, mas nem sempre a gente conseguia repetir a dose no fim de semana seguinte. Motivo: os outros netos, netas e agregados também marcavam presença no concorrido cassino improvisado dos velhinhos.
Durante a semana, eu também aparecia por lá. Chegava morta de fome e, óbvio, tinha ido para o lugar certo. Meio envergonhada, não queria dar trabalho pra vó, mas não resistia e dizia “sim” para a pergunta básica, logo que adentrava a casinha deles: “Ô Lilia – era assim mesmo que ela me chamava, sem o “n” no final –, “qué” uma “jantinha”, “qué”? Tem um arrozinho, um feijãozinho, uma couvinha, eu posso fazer um ovinho, qué?”.
Tudo “inho” porque o que mais tinha ali era carinho. Era delicioso. No vocabulário gastronômico deles, eu adorava ouvir o vô dizer “macarrom”. Depois que a gente jantava, dava um tempinho lá e não podia ir embora sem tomar o famoso chá. Bem coisa de vó mesmo. Das poucas coisas que me lembro da minha avó materna era o chá dela, que fazia pra gente antes de ir embora. Tomar o chá da vó Antônia era resgatar um passado distante, quase perdido nas lembranças da mais tenra idade.
Já o seo Zé era uma grande figura, um tremendo contador de histórias e um piadista de mão cheia. Toda festança de família, eu pedia para ele repetir sempre a mesma piada, que, aliás, já havia perdido a graça, mas jamais o encanto da interpretação dele. A piada era sobre um português que havia comprado uma coruja no lugar de um papagaio. Ao final, perguntavam para o gajo se o bicho falava. A reposta, dita com maestria pelo seo Zé, era: “Fala num fala, mas presta uma atennnnçããããoooo!!!”. E ele mesmo caia na gargalhada e eu ia no vácuo da risada dele. O vô era um incansável trabalhador e mesmo com a idade avançada estava sempre consertando alguma coisa. Não parava. Até do telhado caiu. E depois contava os detalhes da queda como um garoto sapeca que conta alguma travessura.
Dona Antônia e o seo Zé foram, definitivamente, os avós que eu não tive. Foram também um exemplo de união no melhor estilo dos primeiros minutos do filme animado “UP – Altas Aventuras”. Difere apenas na ordem cronológica dos acontecimentos, pois foi ela que ficou ao lado dele no leito do hospital até a sua morte. Cumprida a missão, foi pra pertinho dele cinco meses depois.
Foi triste a despedida de sexta. Fiquei muito sentida porque, há umas duas semanas, havia perguntado para a nora dela quando ela faria aniversário, porque queria lhe fazer uma surpresa. Mas, de repente, veio a notícia de que ela havia sido hospitalizada e estava entubada. Então, cheguei ao velório e desabei, porque não tinha dado tempo de fazer o que eu queria.
Eu me culpei e senti remorso por querer esperar por uma data. Por ter trabalhado e me ocupado demais nos últimos tempos e não ter ido visitá-la antes. Taí a prova de que o que a gente tem a dizer tem de ser dito hoje, porque amanhã pode não dar mais tempo. A outra é a de que ocupação demais nos tira o melhor da vida, que é estar ao lado de quem amamos. Triste aprender na dor, mas a gente só aprende e passa dar valor à vida e ao convívio com as pessoas quando se perde algo precioso.
Ficam agora as lembranças arraigadas na minha memória e no meu coração.
Vó e vô, muito, muito, muito obrigada por tudo. Vão treinando carteado aí no andar de cima, porque eu vou continuar treinando aqui embaixo. Afinal de contas, não existe partida sem revanche.
Até breve.
Com carinho,
Lilian, a neta agregada.

CARTA AO PAI

Oi, pai.
Não escrevi nada no dia dos pais, porque estava esperando pelo seu aniversário, 21/08.
Eu já lhe disse pessoalmente o que vou escrever agora, mas quero registrar isso publicamente.
Além disso, já tem um certo tempinho e, por mais que eu repita, nunca será o bastante para dimensionar o quanto sou grata pela educação que recebi de você.
Nenhum grito, nenhuma repreensão, pressão ou censura.
Pelo contrário: paciência e compreensão sempre foram o seu nome.
Nenhuma cobrança, nenhuma desconfiança, nenhum julgamento.
Um dia, quando eu devia ter uns 15 anos, lhe perguntei: “Pai, essa saia está muito curta?”.
Então, você olhou bem pra mim e devolveu outra pergunta: “Você se se sente bem com ela?”.
Respondi que sim e você foi categórico: “É isso que importa”.
Desde muito cedo, aprendi que as pessoas julgam, mas o importante não é o que as pessoas falam sobre nós, mas como nos sentimos em relação a nós mesmos.
Lembro-me do quanto você era popular na minha adolescência.
As minhas amigas, muitas vítimas de uma educação rígida, te adoravam.
Você sempre foi assim: fala mansa, calmo, simples, direto, sem grandes complicações.
Com você também aprendi o valor da honestidade: lembro-me de que devolvi na lojinha uma folhinha de papel manteiga que veio a mais, porque esse tipo de atitude, por menor que fosse, era grande pra você.
Cresci ouvindo de você uma frase que descreve exatamente o meu cotidiano e a carreira que escolhi: “Calma, equilíbrio, vai dar tudo certo”.
Cresci ouvindo outra frase clássica: “Paciência. Tem que ter tranquilidade pra fazer as coisas”.
Pois é, foi com você que aprendi a ter calma no meio do caos e a ter paciência diante da adversidade.
Foi com você que também aprendi o sentido amplo da palavra confiança.
Prova disso é que nunca precisei mentir, porque sabia que não havia necessidade.
Enquanto meus amigos cabulavam aula, eu, simplesmente, faltava, na cara dura.
Lembro-me como se fosse hoje: o rádio ligado na Jovem Pan ao som do “Vambora, vambora, tá na hora, vambora, vambora, seis horas, repita, seis horas...” – que ódio dessa musiquinha, rsrsrs –, você me chamando pra ir pra escola e eu, simplesmente, dizendo que não estava a fim.
As suas perguntas eram: “Tem prova hoje?” ou “Tem trabalho pra entregar?” ou “Tá estourando em falta?”.
Mas não eram perguntas para me cobrar. Eram apenas perguntas para se certificar se eu estava consciente, se eu não estava me esquecendo de nada, se eu tinha o controle da situação.
Então, depois de dizer “não” para todas as perguntas, você seguia em paz: “Ahhhh, então tá bom, filha, durma bem que eu tô indo trabalhar.
E eu dormia que era uma beleeeeza... O quê??? Levantar da cama, sair do quentinho pra não entrar na sala de aula? Eu preferia ficar em casa dormindo, descaradamente, mas no quentinho, claro. Cabular aula é pra idiota que precisa mentir pro pai.
E sabe como eu retribuía toda a sua confiança? Com as melhores notas da escola inteira.
Ah, mas eu tive a minha primeira nota vermelha na vida. Foi em 1986, um ano muito tenso e triste pra nossa família. Foi em Geografia e a professora acabou comigo. Ela não se conformava com o fato de uma aluna, que só tirava “A”, ter tirado um “D”. Ela gritou comigo e me humilhou na frente dos colegas.
Voltei pra casa chorando, mostrei o meu “D” pra você, que deu o seguinte veredito: “A sua professora não tem pedagogia, não? Ela deveria primeiro procurar saber por que você tirou uma nota vermelha. Não dá bola pra ela, não. Vai lá e tira um 10”.
Foi exatamente o que fiz e exatamente o que aconteceu: 10, nota 10!!!
Lembro-me de quando inventei de trabalhar numa locadora de vídeo aos 13 anos. A mãe não tinha gostado muito da ideia, mas você disse: “Deixa ela, se ela não gostar, ela sai”.
Depois desse, muitos outros empregos vieram e muitos outros conselhos: “Não está feliz? Saia antes que você adoeça”.
Lembra-se de quando saí do banco, no terceiro ano de faculdade? Eu ganhava bem, mas, se continuasse lá, jamais me tornaria jornalista. Então, você apoiou a minha loucura e me se incentivou a me tornar radialista antes mesmo de ser jornalista. No dia do teste, você foi comigo até lá, no Senac, da Lapa.
As aulas de locução também foram um drama. Um dia voltei pra casa revoltada porque o professor havia dito que minha voz era de chapeuzinho vermelho. Eu quis desistir e você me alertou: “Você tem duas escolhas: aceitar o que ele disse e desistir ou melhorar e provar que ele está errado a seu respeito”.
Continuei e um ano depois eu estava empregada na Rádio Bandeirantes AM, com direito a entradas ao vivo. A minha voz se tornou a minha marca, o meu principal trunfo nos eventos de cerimoniais – graças ao seu incentivo.
Lembro-me de que durante três anos você me acompanhou a pé, nas manhã frias e escuras, até o ponto de ônibus que ficava a umas 9 quadras da nossa casa – era chão...
Lembro-me de que você conversava muito comigo sobre política, música e era você quem fazia as redações da Cris – acho que meu gosto pela redação veio de você, claro...
Lembro-me do som da sua gargalhada assistindo aos Trapalhões – eu acho que você é a única pessoa que conheço que ria deles, e eu a única que ria de você rindo deles, rsrsrs.
Lembro-me de que, aos 9 anos, fiquei histérica porque cortaram o meu cabelo errado, infernizei a sua vida até chegar ao cúmulo de quebrar o espelho de casa com a escova de cabelo. Quando isso aconteceu, eu fiquei pálida e pensei: “Agora, ele perde a paciência e é o meu fim”. No entanto, em vez de me bater – qualquer pai faria isso diante de um chilique infantil -, você conversou comigo e negociou para que eu me acalmasse. Desta forma, não foi uma surra que guardei como aprendizado, mas a possibilidade de ter ganhado mais uma chance.
Outro presente dado por você foi a liberdade: com 17 anos – isso há mais de 20 anos –, eu saía de casa com o namorado na sexta à noite e só aparecia de volta na segunda à noite, quando voltava do trabalho. Mais uma prova de que a confiança sempre foi o pilar da minha educação.
Você era tão legal, tão claro, tão explícito quanto a sermos responsáveis e respondermos pelas consequências dos nossos atos que qualquer desapontamento seria uma grande deslealdade de minha parte. Você me oferecia o melhor e eu só podia retribuir o melhor.
Desculpe-me pelas bobagens que falei depois de adulta, de velha, mas a base do meu caráter você construiu lá na minha infância, adolescência e juventude. É que depois de velha, a gente fica cabeça dura e a TPM também domina, sabe? Eu lhe peço perdão se já o ofendi.
Também quero lhe dizer que tenho muito orgulho do seu talento musical e por você ter jogado tudo pro alto pra voltar a ser músico.
Sei que você se cobrou uma vida inteira pra ter nos dado mais conforto, mas, olha, pode apostar, o que você me deu, dinheiro algum é capaz de comprar: AMOR.
Obrigada por tudo.
Te amo!!!
Lila.
P.S.: dedico esta carta à reflexão de todos os pais opressores que gritam, desconfiam, insultam e batem em seus filhos.

ADEUS, MEU AMIGO... TE VEJO EM BREVE...

Não sou de externar os meus sentimentos no Facebook, mas, por você, José Sérvulo de Lima (Baiano – gerente de Operações do Terraviva), farei isso.
Escrivã da frota: era assim que você me chamava. Adorava tirar sarro da minha cara na redação por causa dos longos e-mails. Com um sorriso largo, dizia que Pero Vaz de Caminha perdia de longe pra pequena notável, outro apelido de sua autoria. Você também era uma figura do imperialismo para mim, mas alguém com uma patente muito maior: REI. “Faaaaaala meu rei”, era assim que eu me dirigia a você, carinhosamente, com um sotaque baiano bem fajuto. E você, como sempre, sorria.
De uma praticidade sem tamanho, não perdia tempo respondendo minhas mensagens. Ia ao me encontro, pessoalmente: “Ôôôô, Lilian, veja bem...”. Quando você dizia “veja bem”, eu pensava com os meus botões: “Danou-se”. Aí, você falava, falava e falava. Eu retrucava, retrucava e retrucava. Vencido pelo cansaço, você encerrava a conversa com a clássica frase: “Ok. Eu vou dar um jeito”.
E dava. Dava jeito pra tudo. Às vezes, desesperada, eu dizia: “Baiano, como é que a gente vai transmitir três eventos simultâneos só com um sinal? Será que a gente consegue um segundo pra uma praça chamar a outra?”. Então, com a maior calma do mundo, você respondia: “Deixa comigo”. E na hora “H” tudo dava certo.
Se eu temia o seu “veja bem...”, você sentia calafrios com o meu “Baiano, eu estive pensando, pensa comigo...”. Você sequer deixava eu terminar a frase e ia logo me interrompendo: “Xiiiiii, eu tenho um medo quando você começa a pensar... Mas diga lá, Lilian, diga lá, o que você quer?”. Eu não conseguia completar o pensamento e nem falar mais nada porque não parava de rir...
Uma cena que ficará cravada pra sempre na minha memória foi a sua entrada relâmpago na redação pra dizer que tinham tirado o sinal da gente, que não seria mais possível termos link faltando apenas alguns minutos para o programa começar. Desesperado, se desculpava pelo ocorrido com as mãos erguidas na cabeça, inconformado com a situação. Foi a primeira vez na vida que o vi apavorado e chateado diante de um imprevisto. “Desculpas do quê???”, eu dizia. Você tinha feito tudo certinho, tínhamos tomado café juntos naquela tarde e planejado todas as entradas ao vivo. Se o link deu pra trás foi porque fugiu de sua alçada. A gente devia ter desconfiado, pois estava tudo redondo demais. Em TV é assim: quando tem tudo pra dar certo, desconfie e se prepare para o pior – é o inverso da lei de Murphy. E, no fim, claro, acabou dando certo de outra forma, porque, repito, você era o rei de fazer as coisas acontecerem, de um jeito, ou de outro.
Embora fôssemos antagônicos em alguns momentos – pra mim, tudo era pra ontem; pra você, pra daqui uma semana, 15 dias... –, nunca nos desrespeitamos. No começo, você era meio ressabiado, mas uma grande amiga, a Fany, abriu os seus olhos e lhe mostrou que eu estava do seu lado. Depois disso, ninguém segurou a gente. Dávamos o exemplo de que produção e operação tinham de andar juntas, de mãos dadas – legado deixado por você e desempenhado com maestria pelo Dimi.
Aliás, se eu aprendi que em TV tudo dá certo no final, eu tive um grande professor: você. Então, eu lhe dei um outro apelido: Hermeto Pascoal da televisão. Você era mágico. Não só tirava som, mas também imagem de qualquer coisa. Tinha uma percepção aguçadíssima. Sabia, a quilômetros de distância de onde ocorria a transmissão, o que estava errado e qual medida deveria ser tomada. Era um gênio. Eu também costumava chamá-lo de professor Pardal, lembra-se? Você era capaz de montar duas câmeras a partir de uma e ainda deixar peças sobrando. E o que era aquela sua salinha, lá perto do Transporte? Havia acessórios da “repimboca da parafuseta” pelos quatro cantos. Era o clone do ateliê do professor Pardal, oras. Aliás, deixava ele no chinelo.
Além disso, dava jeitinho pra tudo na redação sem que precisássemos pedir. Foi você que colocou o espelhinho pra que pudéssemos retocar a maquiagem antes de ir pro ar. Sempre que entro na cabine de off, me lembro de você quando vejo o cabideiro improvisado pra pendurarmos nossas roupas. Sempre que olho os fones de ouvido, cuidadosamente amarrados na mesa, me lembro, mais uma vez, de você. Tudo ali tem o seu dedo, o seu toque, o seu cuidado, o seu carinho.
Também adorava quando você me convidava pra tomar café ou almoçar e me contava como eram os bastidores da TV Tupi, do programa do Chacrinha e dos shows do Roberto Carlos. Você era uma lenda entre centenas de profissionais que tiveram o privilégio de trabalhar contigo. Ouvia histórias a seu respeito de profissionais de outras emissoras e me enchia de orgulho, porque, hoje, era eu que estava pertinho do famoso Baiano. O cara que era o primeiro a chegar muito cedo à TV e que, quando me via, não me poupava da brincadeira: “Ué, caiu da cama, foi?". Este era você profissionalmente. Como pessoa??? Melhor ainda!!!
Um exemplo de caráter, de sabedoria e, acima de tudo, dono de um grande coração. Um pai de família exemplar, que não escondia o orgulho que sentia das filhas. Uma das pessoas mais humanas e generosas que conheci na vida. Eu ficava furiosa quando alguém era malcriado com você, mas só o que sabia dizer era: “Não esquenta, Lilian, não esquenta”.
Muitas vezes, ia trabalhar triste, por algum problema pessoal, mas logo que passava pela catraca da Band e o avistava de longe, em frente à TV, o meu humor melhorava. A sua imagem era um bálsamo, um alento para a minha pobre alma. Parece que era Deus que o colocava ali, naquele exato momento. Então, com um sorriso meio amarelo, antes de me aproximar e dizer uma só palavra, você se antecipava: “Ô baixinha, o que é que você tem? Você não tá boa, né?”.
Pois é, você me conhecia como poucos me conhecem. Mesmo sorrindo, você sabia quando algo não ia bem comigo. Era impressionante. Então, eu te abraçava e sussurrava no seu ouvido: “Você é a minha alegria, o meu alicerce, você é alguém que faz o meu trabalho, num dia como hoje, valer a pena. Eu não sou nada aqui sem você. Você sabe que eu te amo, né?”. Disse isso a você repetidas vezes. E, meio sem graça, você balançava a cabeça e dizia: “O que é isso, Lilian, imagine. É recíproco, é recíproco”. E sempre que me via brava ou triste, você aparecia na redação com um chocolatinho pra me acalmar: “Toda baixinha é brava, é fogo, eu tenho uma lá em casa”, comentava com os outros e caía na risada.
O meu último grande presente foi a sua presença no amigo secreto de dezembro. Você trabalhava demais e não se dava ao luxo de ter momentos de lazer. Sua vida era de casa pro trabalho; do trabalho pra casa. Eu fiquei tão feliz que você foi. Fiquei tão tocada. Eu me senti tão importante, sabe? Fomos os primeiros a chegar e ficamos horas conversando. Os olhos dos estagiários brilhavam com as suas histórias...
Nessa terça, você me deixou pra sempre. E eu me pergunto: “E agora, José?”. Minha festa acabou, minha luz apagou, minha noite esfriou. Você se foi, José. O meu coração tem um vácuo enorme. Vai ser difícil passar pela catraca com a triste certeza de que você não estará mais me esperando pra me dar forças. O que será de mim, José? Você se foi, José. E se tiver televisão lá do outro lado, o céu deve estar em festa. Minha única esperança é que, ao passar pela catraca lá de cima, você esteja lá, me esperando e dizendo, como um grande pai que foi pra mim, que tudo vai dar certo. Obrigada pelos últimos 8 anos que esteve, de verdade, ao meu lado. Te amarei até o fim da minha vida e por toda a eternidade.
Lilian, sua eterna escrivã da frota.

UM RESGATE DE NÓS MESMOS PELO OLHAR DO OUTRO

Hoje, dia nove de janeiro, completo 37 anos. Parece que foi anteontem que fiz 17 e ontem que fiz 27. Essas duas décadas passaram como relâmpagos. Entramos numa rotina maluca de cumprimento de obrigações, trabalho, luta e sobrevivência e não nos damos conta de que o tempo simplesmente se foi e continua escorregando pelos nossos dedos minuto a minuto. A correria insana nos consome a ponto de nos esquecermos, gradativamente, da nossa essência, das nossas raízes, dos amigos de infância e juventude, das pequenas coisas que nos traziam uma felicidade sem tamanho: jogar vôlei, dançar, patinar, jogar War, Banco Imobiliário ou Detetive em família, entre outras coisas. Ficamos apenas na promessa e usando o tempo como desculpa para as nossas frustrações. É como se endurecêssemos o coração. É como se nos perdêssemos de nós mesmos. O ditado de que só museu vive do passado faz sentido para não remoermos as coisas ruins, mas as coisas boas jamais deveriam ser esquecidas; pelo contrário, são elas que nos lembram, sempre, de quem somos e do que gostamos. O último ano foi muito especial para mim e para dois grupos distintos de amigos (décadas de 80 e 90) que marcaram fases diferentes da minha vida. Abrimos mão das promessas, driblamos o tempo e, finalmente, nos reencontramos – o Facebook, quando usado para o bem, surte resultados mágicos. Nessas reuniões, fiz impagáveis viagens ao passado. Mas foi num recente reencontro virtual, no último dia 02 de janeiro, que ganhei o melhor presente de todos os tempos: uma carta de uma grande amiga intitulada “O que me lembro sobre você...”.

Lilian
 
O que eu me lembro sobre você?
Lembro que te conheci quando ainda chorava que não queria ficar na escola...
Lembro que ficamos amigas...
Lembro uma vez que me ligou e eu fiquei tão feliz que gritei o seu nome...
Lembro das suas gargalhadas...
Lembro que curtia Guns e Legião Urbana, como eu...
Lembro que todos os meninos tinham uma "quedinha" por você...
Lembro que um dia veio em casa e eu não estava, quando cheguei você já havia conquistado o coração da minha avó...
Lembro daquele dia que os meninos tiraram seu calçado e você foi buscar na diretoria...
Lembro que escreveu seu nome completo na lousa e trocou o "Dias" por "Noites"...
Lembro que sempre você foi brincalhona e não tinha mau tempo... Exceto quando estava com cólica.
Lembro que estava na minha festa surpresa de 14 anos com toda a turma...
Lembro que tentou me ensinar a tocar violão... Tentou, porque gostar e ter vocação são duas coisas bem diferentes... Vendi o violão!
Lembro do seu sorriso...
Lembro também que tudo que ia fazer deixava o seu melhor...
Não me pergunte por que eu senti de escrever isso, eu não sei...
Mas eu sei que o carinho que eu sinto por você continua o mesmo!
Nossas diferenças: residência, posição social, família, estado civil, entre outras... Continuam indiferentes pra mim!
Ainda somos a mesma essência e eu vou guardá-la assim pra sempre: dentro de mim!!!
 
 Beijo, com todo meu carinho...
 Clau


Não vejo a Cláudia há 22 anos. Eu me emocionei quando li o e-mail acima, pois tem muito de mim que acabei deixando pelo meio do caminho... Eu nem sei mais se sei tocar violão... Mas termino o texto de hoje com uma certeza: vou resgatar o que perdi. Faça o mesmo você também!!!

O SEGREDO DE UM ANO NOVO FELIZ...

Desejo a todos os integrantes do Face, sem exceção, um 2012 extraordinário!!! Embora seja só uma mudança de calendário, a simbologia de que esgotamos a bateria e estamos colocando uma nova é fundamental para nos fazer seguir em frente.  Quanto às mudanças que tanto almejamos, elas são possíveis, sim, mas depende exclusivamente de nós mesmos. Falar, pensar, prometer não surtem resultados. Simplesmente, FAÇA!!! Não percamos tempo com amarguras e discussões. Querer ter razão pra quê??? Amo a indagação feita pelo educador Rubem Alves: “É melhor ter razão ou ser feliz?” – http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2011/08/11/ter-razao-ou-ser-feliz/.  Assim, eu lhes recomendo a seguinte canção: Don’t worry, be happy!!! Precisamos parar de reclamar da vida ou apontar defeitos nos nossos vizinhos. Só existe um culpado por tudo de ruim que nos acomete: a gente mesmo. Quando projetamos os nossos erros nos outros, evitamos olhar para o nosso umbigo e fazemos isso porque tememos o que vamos encontrar dentro de nós mesmos. Somos incapazes de olhar no espelho e tirar a conclusão básica: “Isso aconteceu em decorrência daquilo”. Mas, convenhamos, é mais cômodo, fácil e covarde jogar a culpa em terceiros.  Quando facilmente despejamos todas as nossas angústias e fracassos nos outros, nos iludimos pensando que nos fortalecemos, mas, na verdade, é apenas o retrato de uma defesa típica de quem ainda é criança, não amadureceu o intelecto e tampouco o coração. Vejo pelo meu filho: a melhor DEFESA dele é o ATAQUE. Quando isso vem de uma criança, de cinco anos, é compreensível. Quando vem da gente, um adulto, é muito triste. Denota uma maldade cega e torpe. Vivemos num mundo que, em pleno século XXI, ainda é cenário de guerra. Aclamamos por paz, mas somos incapazes de semear o perdão ao nosso redor. Outro dia, fiquei estarrecida com as ofensas gratuitas trocadas por e-mail por um grupo de condôminos. Portanto, é chegada a hora de arrumarmos o nosso próprio quintal, para depois exigirmos paz e solidariedade além das fronteiras. Deste modo, façamos um compromisso neste ano novinho em folha: vamos transformar toda a carga negativa, carregada de ressentimento e ódio em energia positiva. Depois, vamos transferir toda essa energia saudável para os nossos sonhos, projetos e objetivos. Se tivermos uma recaída pelo mau agouro, vamos visitar asilos, abrigos ou hospitais de pacientes com câncer terminal para voltarmos à realidade, fincarmos os pés no chão e nos darmos conta do quão pequenos e mesquinhos nós somos. Estamos com preguiça de sair de casa? Basta digitarmos “fome na África” no Youtube para nos recordarmos, mais uma vez, sobre o que realmente deveríamos nos preocupar. Se, novamente, a nossa língua coçar para ferir alguém que está quieto ou os nossos dedos formigarem para escrever coisas baixo-astral, vamos reverter essa disposição para dizer às pessoas que estão ao nosso lado o quanto a amamos ou, melhor ainda, escrever uma carta de amor para o nosso companheiro (a), como há “séculos” não fazemos. Somos humanos e passíveis de erros, claro, mas somos adultos e temos consciência de quando avançamos o sinal e optamos por caminhos que não trazem conforto. Acabamos por cultivar a dor, pois preferimos sentir pena de nós mesmos e ferir os outros como uma espécie de analgésico para alívio imediato de uma alma cinzenta. Simultaneamente, agimos como masoquistas e sádicos, num círculo vicioso que só faz mal para nós mesmos. Vamos dar um basta nisso! Vamos mudar! Deixemos de ser dignos de pena. Tomemos as rédeas de nossas vidas. Abandonemos a posição de vítima para sermos protagonistas de nossas histórias. Paremos de amaldiçoar e resmungar. Tenhamos FOCO nas coisas boas e conquistaremos um 2012, de fato, diferente. Muita saúde e paz!!! Foi maravilhoso compartilhar ideias e coisas boas com todos vocês.  
Boa sorte pra todos nós.